sexta-feira, 23 de abril de 2021

Letras




Se eu conseguisse escrever sem parar, contar as histórias que não vivi, inventar cores do céu e peixes no rio!...

Se eu conseguisse escrever com uma voz e gritar pelo verde das árvores, suar folhas delicadas e chorar pétalas de flores amarelas...

Se eu conseguisse escrever e abraçar este tempo que já vai sendo curto!

Ora se eu conseguisse escrever, escrevia sem parar..

Palavras.


Sons de letras saiam dos meus dedos!

Percebiam sem som o fluir da mensagem que não consigo dizer pela voz..

Nem com o olhar!

Pela calçada corria, corria e deixava-me agarrar pelos braços das letras que rodopiavam há minha volta num bailado infantil...

Sem parar...um dia vou escrever!

Raiz

 





De terra em terra
Estamos todos ligados!
De ramo em ramo
De raiz em raiz
Sempre!

O céu corria em azul

 


O céu corria em azul

O vento soprava para norte

Os passos eram estreitos para a a viagem parecer maior..

Os pormenores habituais são os repetidos destaques ...


domingo, 4 de abril de 2021

Páscoa na aldeia


A Páscoa na aldeia

“Ouves o sino?... que horas são? Ainda é tão cedo!

O compasso já está perto!"

O sino tocava tlim tlom… tlim tlom… a avisar que o Senhor estava a chegar à nossa casa!

"Meninos venham… despachem-se….”

 Ouvia-se o estalar de fogo como que a anunciar que acabou de sair de uma casa que ficou cheia de alegria e vida.

Já os vejo à entrada onde o chão devidamente decorada com flores para anunciar que sim… o Senhor pode entrar na nossa casa….

Nós, esperávamos ao cimo da escadaria pela chegada, eles vinham apressados e suados, e lá subiam de capas esvoaçantes vermelhas, um com o sino, outro com a água benta e ainda outro com a pasta para guardar as ofertas e por fim a cruz.

Ao entrar na sala diziam umas palavras abençoadas, molhavam-nos com a água benta e o meu pai a quem era entregue a cruz nos dava a beijar os pés do Senhor (era a parte que eu menos gostava, peço desculpa, mas muitas vezes fiz de conta que beijei)

Na mesa da sala estava um banquete de amêndoas, bolos, bolachas e vinhos para os receber… uma almofada era colocada no aparador para o Senhor descansar enquanto os mensageiros degustavam …

 Eu o Vasco esperávamos ansiosos que eles fossem embora para podermos “atacar” as doçarias que sobraram na mesa… eles desciam aquela escadaria apressados, creio que já um bocadinho “tocados” com o álcool da manhã mas firmes e já com o sino a tocar… são do campo! Estão habituados!

Ao descer a escadaria as capas esvoaçantes ficavam para trás como que fossem voar (mais tarde, já com a minha filha eu dizia que eram os “super-homens”) até à próxima casa…

A seguir o cabrito que já estava temperado de véspera pela nossa mãe era levado a casa do Sr Adão para assar no forno do pão, assim como o arroz. Ainda hoje sinto aquele sabor, esse sim, abençoado… era tão bom!!!!

Lembro-me que eram três dias fantásticos, matávamos saudades dos nossos amigos das férias, eram dias de liberdade com cheiro a pinheiro e rio Douro….

Quando estava calor até pareciam as férias de verão, era tanta a brincadeira! 

No sábado de Páscoa o nosso irmão Rui ia lá sempre passar o dia…acho que nunca falhou um, desde pequena que me lembro da Páscoa na aldeia, talvez por isso seja uma festa que na cidade não tem magia. Mais tarde, já casada e com filha, continuamos a ir com os meus pais e o Vasco

A Inês não gostava nada do fogo, fugia a sete pés e subia por mim acima sempre que o ouvia!

Três dias de pura contemplação!

Três dias de reflexão!

Três dias de repor energias!

Três dias de passeios… houve uma Páscoa que nevou e fomos com os pais à serra de Montemuro, saímos para brincar na neve com a Inês, quando olho para trás estava o meu pai a enterrar os pés na neve todo contente, como uma criança, porque nunca o tinha feito ou sentido o prazer da neve, foi uma risota… parecíamos todos umas crianças a atirar bolas de neve, o Fausto para delicia da Inês pôs uma bom bocado de neve no carro que ao descer a montanha ia derretendo…

Tantas histórias… tantos cheiros… tantas saudades…

Era assim a Páscoa na “minha aldeia”